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9 de maio de 2024
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Magistrados descredibilizam mulher em análise de assédio sexual envolvendo Davi Passamani

O g1 pediu um posicionamento ao TJ-GO por e-mail nesta terça-feira (2), mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.

A decisão detalha que os desembargadores teriam feito falas de “conteúdo potencialmente preconceituoso” em relação à vítima, emitindo juízo de valor que pode ter extrapolado os limites da análise jurisdicional relacionada aos elementos do caso. A decisão pela abertura do procedimento disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi divulgada na última segunda-feira (1º).

Em nota publicada no site do CNJ, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, avaliou que há necessidade de se investigar, na esfera administrativa, a atuação dos desembargadores.

Salomão apontou que o procedimento deve apurar se os magistrados afrontaram ao previsto na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) e em regras do próprio CNJ, como a que prevê a aplicação de perspectiva de gênero nos julgamentos.

Segundo o CNJ, com a instauração da reclamação disciplinar, os desembargadores devem ser intimados em 15 dias para prestarem informações.

As falas foram realizadas no dia 19 de março durante uma sessão da 6ª Câmara Cível. Durante a discussão do caso, um dos magistrados chegou a chamar a vítima de sonsa e outro disse que temas de assédio moral, sexual e racismo se tornaram “modismo”. Davi Passamani é fundador da igreja A Casa.

“Essa moça aí, ela mesmo falou que era sonsa. Ela não foi muito sonsa? No século que a gente está”, questionou o desembargador Silvânio.

“Hoje eu particulamente eu tenho uma preocupação muito séria com o tal do assédio moral como gênero, sexual como espécie do gênero e racismo. Então esses temas viraram um modismo”, completou o desembargador Jeová, em seguida.

O que disseram os desembargadores?

Em nota enviada ao g1 durante a publicação da primeira reportagem do caso, o desembargador Silvânio Divino, justificou que teria feito questionamentos na busca de amadurecer e compreender o caso em questão. Segundo ele, a abordagem realizada, “ao levantar hipóteses e situações hipotéticas, tem como objetivo explorar a verdade real do processo, garantindo que nenhum aspecto seja negligenciado de ambos os lados”.

Já o desembargador Jeová Sardinha disse que reconhece a seriedade e a “prevalência do machismo e do racismo em nossa sociedade”, e afirmou que a intenção, naquele momento, era ressaltar “a importância de uma análise cuidadosa e contextual de cada caso, para evitar julgamentos precipitados e erros”.

No mesmo período, a defesa da vítima afirmou que os casos que envolvem a dignidade sexual precisam ser julgados a partir dos fatos e provas que fazem parte do processo e não com julgamentos morais, como, segundo a defesa, ocorreu. Apesar disso, informou que na sessão do dia 26 o erro foi corrigido.

Em nota, a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB, Fabíola Ariadne, afirmou que existe um protocolo para que as vítimas de assédio não sejam revitimizadas nos julgamentos.

Desembargadores Silvânio Alvarenga e Jeová Sardinha e o pastor Davi Passamani — Foto: Reprodução/Youtube e Reprodução/Instagram

Na sessão, os desembargadores analisavam o caso de assédio sexual envolvendo o pastor Davi Passamani. O desembargador Silvânio Alvarenga, que questionou se a vítima não estaria sendo “sonsa”, chegou a sugerir que esse tipo de processo estaria prejudicando a interação entre os homens e as mulheres.

Em sua fala, ele disse que os homens estariam receosos de se relacionar com mulheres, com medo de serem processados por assédio. Na ocasião, o desembargador solicitou mais tempo para análise do pedido da vítima. A nova sessão para análise do caso estava marcada para esta terça-feira (26).

Em seguida, ainda na sessão, o desembargador Jeová Sardinha demonstrou certa preocupação quanto aos temas discutidos, pontuando que casos de assédio e até racismo teriam virado “modismo”.

“Não é à toa, não é brincadeira, que estão sendo usados e explorados com muita frequência”, pontuou Sardinha.

Na sessão, os desembargadores chegaram a questionar se a vítima e o namorado não teriam planejado uma situação com o objetivo final de entrar com uma ação contra o pastor.

Condenação de Davi Passamani

O pastor Davi Passamani foi condenado no dia 26 de março a pagar uma indenização de R$ 50 mil por assédio contra a mulher que foi chamada de ‘sonsa’ por um desembargador. Segundo a defesa da vítima, o valor será destinado a instituições que acolhem mulheres vítimas de violência.

A vítima do processo pediu uma indenização de R$ 100 mil do pastor por danos morais. No pedido, ela descreve que começou a frequentar a igreja de Passamani em 2017 e, em dezembro de 2018, recebeu mensagens e ligações de vídeo do pastor com intuito sexual.

Após procurar a direção da igreja e ser orientada a “perdoar” o pastor, a vítima decidiu recorrer à justiça. Segundo a defesa dela, o pedido de indenização foi negado pela juíza de primeiro grau, após o voto contrário da relatora do caso. Para a defesa da vítima, a relatora e a juíza tiveram uma “análise equivocada e desassociada das provas”.

Histórico de crimes sexuais

Prints mostram momento em que pastor Davi Passamani conversa com fiel, a importunando sexualmente (Goiânia/Goiás) — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Com a repercussão negativa, o pastor chegou a gravar um vídeo negando o crime e pedindo desculpas à família e aos fiéis. Na época, a Igreja Casa também se pronunciou, dizendo que estava apurando o caso e que Passamani estava afastado de funções “há semanas” para “tratamento médico e cuidados em família”.

Nota do desembargador Silvânio Divino de Alvarenga:

No contexto do julgamento complexo em andamento, que atualmente está sob minha análise após ter pedido vista dos autos na sessão relatada, esclareço que fiz questionamentos na busca do amadurecimento e da compreensão integral do caso em questão. Minha abordagem, ao levantar hipóteses e situações hipotéticas, tem como objetivo explorar a verdade real do processo, garantindo que nenhum aspecto seja negligenciado de ambos os lados.

Nota do desembargador Jeová Sardinha na íntegra:

Antes de tudo quero falar que reconheço a seriedade e a prevalência do machismo e do racismo em nossa sociedade. Minha intenção, naquele contexto, ao abordar temas delicados como assédio e racismo, foi enfatizar a importância de uma análise cuidadosa e contextual de cada caso, para evitar julgamentos precipitados e erros. Entendo que a escolha de minhas palavras ditas no calor de voto verbal, até com erros de vernáculo, não dizem respeito ao caso concreto.

Nota da defesa da vítima na íntegra:

O julgamento de casos que envolvem a dignidade sexual precisa ser feito a partir dos fatos e provas que fazem parte do processo.

Infelizmente, nesse caso, tivemos até aqui, um verdadeiro julgamento moral, onde colocaram a vítima na posição de ter contribuído para a ocorrência da violência. Isso é absurdo.

A discriminação de mulheres é incompatível com os princípios constitucionais e tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário.

Desqualificar a vítima e enaltecer as falas do violentador é uma prática do senso comum. Contudo, os desembargadores não fazem parte do senso comum. Pelo contrário. Eles têm o dever de serem imparciais e julgarem o caso conforme as provas do processo, afastando vieses ceticistas ou crenças demasiadas.

As falas dos desembargadores expõe a sistemática do machismo estrutural ao qual estamos sujeitas.

Escancara a realidade de um país que registra um caso de estupro a cada 8 minutos.

Demonstra o quanto nós mulheres estamos sujeitas a uma sequências de violências.

Somos violadas em nossa dignidade sexual, somos violadas quando denunciamos nossos violentadores, somos violadas quando o mais alto grau de justiça do Estado é conivente com o contexto de degradação da nossa imagem.

Ou seja, não há abrigo! E falas como essas deixa claro que ainda precisamos avançar muito para termos o mínimo.

Ainda estamos expostas ao risco da condenação moral de homens fortalecidos por um sistema lucrativo de impunidades.

Todos os casos de violência contra a dignidade sexual das mulheres se iniciam num contexto de assédio moral. E não há como negar.

Na sessão de hoje, depois de muitos debates, inclusive da mídia, o Desembargador Silvanio refluiu seu voto, e deferiu o pedido da vítima.

Embora a ofensa a nós mulheres, dentro do contexto geral da fala, já tenha acontecido, o voto de deferimento do pedido do Des. Silvanio demonstra que numa análise equivocada e desassociada das provas do processo tanto a juíza de primeiro grau, quanto a relatora do processo, erraram. Portanto, seu voto corrigiu tal erro e se fez, finalmente, justiça à vítima.

Nota da Comissão da Mulher Advogada da OAB na íntegra:

Os julgadores tem que se atentar ao que preconiza o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, que é de observância obrigatória em todos os tribunais, desde março de 2023. Esse protocolo traz uma série de orientações para evitar a reprodução de preconceitos e estereótipos no Judiciário, inclusive nos casos de assédio. Muita mulheres deixam de procurar a justiça, justamente por medo de serem revitimizadas, de se verem julgadas como vítimas em detrimento de seus algozes.

O protocolo vem justamente evitar isso, ele é explícito ao dispor, por exemplo, que é estereótipo de gênero supervalorizar o comportamento da vítima antes do momento da violência, influenciado pela ideia preconcebida de que cabe às mulheres recato e decência.

Há uma pergunta reflexiva prevista no protocolo, que caberia ser feita no caso em concreto: Posso estar dando peso a um evento que só parece importar por ideias préconcebidas que permeiam minha visão de mundo? Ou: Minhas experiências pessoais podem estar influenciando a minha apreciação dos fatos?

O Protocolo do CNJ foi um avanço para as mulheres dentro do Judiciário e deve ser aplicado, principalmente em casos de assédio e outros crimes sexuais.

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VÍDEOS: últimas notícias de Goiás

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A Redação

Goiânia

– A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) anunciou, nesta quarta-feira (27/3), que vai acompanhar de perto o processo de capacitação dos magistrados goianos acera do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, na visão da seccional, descumprido em audiência com desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), Silvânio Alvarenga e Jeová Sardinha. Durante o julgamento de um caso sobre assédio sexual envolvendo um ex-líder religioso, a vítima foi descredibilizada e chamada de “sonsa”. O caso ocorreu na última segunda-feira (25/3) e colocou em pauta a orientação para que se evite a reprodução de preconceitos e estereótipos no Poder Judiciário.

O posicionamento da OAB-GO, que veio acompanhado por uma nota de repúdio, foi encabeçado pela Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) da seccional. “De cunho sexista, tais falas são completamente inaceitáveis por reforçarem estereótipos prejudiciais e irem de encontro ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, definido após condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em um caso no qual se entendeu que a investigação e o processo penal tiveram um caráter discriminatório por razão de gênero”, traz o documento.

À frente da Comissão, a advogada Fabíola Ariadne explica que o protocolo em questão traz orientações que valem inclusive para casos de assédio, como o que estava sendo julgado por Silvânio Alvarenga e Jeová Sardinha. Em entrevista ao jornal A Redação, a jurista disse que é lamentável que membros do Judiciário ajam de forma contrária a tais diretrizes – obrigatórias desde março de 2023. Ela lembra que muitas mulheres hesitam em buscar a justiça devido ao medo de serem revitimizadas e de enfrentarem julgamentos injustos e se verem julgadas em detrimento de seus algozes. 


À frente da Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) da OAB-GO, a advogada Fabíola Ariadne classificou o caso como lamentável 


 


Dentre as muitas observações do documento, Ariadne destaca que o protocolo considera estereótipo de gênero, por exemplo, a supervalorização do comportamento da vítima antes do momento da violência, influenciado pela ideia preconcebida de que cabe às mulheres recato e decência. “Há uma pergunta reflexiva que caberia ser feita no caso do julgamento de segunda-feira (25/3): Posso estar dando peso a um evento que só parece importar por ideias preconcebidas que permeiam minha visão de mundo? Ou: Minhas experiências pessoais podem estar influenciando na minha apreciação dos fatos?”, reforça. 



Perspectiva de gênero
Na opinião de Fabíola, o protocolo do CNJ representa um avanço importante para a garantia dos direitos das mulheres no Sistema Judiciário, e seu conhecimento e aplicação são fundamentais, especialmente em casos de assédio e outros crimes sexuais.


 

“Sendo assim, exigimos que medidas sejam tomadas para garantir que tais comportamentos não se repitam e que as vítimas sejam tratadas com respeito, empatia e justiça. Acreditamos que apenas com a aplicação efetiva das diretrizes estabelecidas será possível construir um ambiente judiciário mais igualitário e justo para todas as pessoas, independentemente de seu gênero.”

A presidente da Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) esclarece que a OAB-GO agora vai acionar o Comitê de Acompanhamento e Capacitação do Conselho Nacional de Justiça, que deve acompanhar o cumprimento da Resolução no TJGO. Além disso, a seccional goiana vai “elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento do sistema de justiça quanto às causas que envolvam direitos humanos, gênero, raça e etnia – sempre com perspectiva interseccional.”

 



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